Unidades

Poemas

Fanatismo

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão de meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!


Não vejo nada assim enlouquecida…
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

“Tudo no mundo é frágil, tudo passa…”
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, vivo de rastros:
“Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!…”
            (Florbela Espanca)


Última Flor do Lácio

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi:" Meu filho"!
Em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
                               (Olavo Bilac)



Meu Sonho

Parei as águas do meu sonho
para teu rosto se mirar.
Mas só a sombra dos meus olhos
ficou por cima, a procurar…

Os pássaros da madrugada
não têm coragem de cantar,
vendo o meu sonho interminável
e a esperança do meu olhar.

Procurei-te em vão pela terra,
perto do céu, por sobre o mar.
Se não chegas nem pelo sonho,
por que insisto em te imaginar ?

Quando vierem fechar meus olhos,
talvez não se deixem fechar.
Talvez pensem que o tempo volta,
e que vens, se o tempo voltar.
    (Cecília Meireles)



Ismália

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

       (Alphonsus de Guimaraens)



Adeus, meus sonhos!

Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!

Misérrimo! Votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto,
E minh'alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.

Que me resta, meu Deus? Morra comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já não vejo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!
                   (Álvares de Azevedo)



Soneto

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
              (Luís Vaz de Camões)



Plenilúnio

     Além nos ares, tremulamente,
     Que visão branca das nuvens sai!
     Luz entre as franças, fria e silente;
     Assim nos ares, tremulamente,
     Balão aceso subindo vai...

    Há tantos olhos nela arroubados,
    No magnetismo do seu fulgor!
    Lua dos tristes e enamorados,
    Golfão de cismas fascinador!

    Astros dos loucos, sol da demência,
    Vaga, noctâmbula aparição!
    Quantos, bebendo-te a refulgência,
    Quantos por isso, sol da demência,
    Lua dos loucos, loucos estão!

    Quantos à noite, de alva sereia
    O falaz canto na febre a ouvir,
    No argênteo fluxo da lua cheia.
    Alucinados se deixam ir...

    Também outrora, num mar de lua,
    Voguei na esteira de um louco ideal;
    Exposta aos éolos a fronte nua,
    Dei-me ao relento, num mar de lua,
    Banhos de lua que fazem mal.

    Ah! quantas vezes, absorto nela,
    Por horas mortas postar-me vim
    Cogitabundo, triste, à janela,
    Tardas vigílias passando assim!

    E assim, fitando-a noites inteiras,
    Seu disco argênteo na alma imprimi;
    Olhos pisados, fundas olheiras,
    Passei fitando-a noites inteiras,
    Fitei-a tanto, que enlouqueci!

    Tantos serenos tão doentios,
    Friagens tantas padeci eu;
    Chuva de raios de prata frios
    A fronte em brasa me arrefeceu!

    Lunárias flores, ao feral lume,
    — Caçoilas de ópio, de embriaguez —
    Evaporaram letal perfume...
    E os lençóis d'água, do feral lume
    Se amortalhavam na lividez...

   Fúlgida névoa vem-me ofuscante
   De um pesadelo de luz encher,
   E a tudo em roda, desde esse instante,
   Da cor da lua começo a ver.

   E erguem por vias enluaradas
   Minhas sandálias chispas a flux...
   Há pó de estrelas pelas estradas...
   E por estradas enluaradas
   Eu sigo às tontas, cego de luz...

   Um luar amplo me inunda, e eu ando
   Em visionária luz a nadar,
   Por toda a parte, louco, arrastando
   O largo manto do meu luar...
              (Raimundo Correia)



Horas Mortas

   Breve momento após comprido dia
   De incômodos, de penas, de cansaço
   Inda o corpo a sentir quebrado e lasso,
   Posso a ti me entregar, doce Poesia.

   Desta janela aberta, à luz tardia
   Do luar em cheio a clarear no espaço,
   Vejo-te vir, ouço-te o leve passo
   Na transparência azul da noite fria.

   Chegas.  O ósculo teu me vivifica
   Mas é tão tarde!  Rápido flutuas
   Tornando logo à etérea imensidade;

   E na mesa em que escrevo apenas fica
   Sobre o papel — rastro das asas tuas,
   Um verso, um pensamento, uma saudade.
                     (Alberto de Oliveira)



  Ângelus

 Desmaia a tarde. Além, pouco e pouco, no poente,
 O sol, rei fatigado, em seu leito adormece:
 Uma ave canta, ao longe; o ar pesado estremece
 Do Ângelus ao soluço agoniado e plangente.

 Salmos cheios de dor, impregnados de prece,
 Sobem da terra ao céu numa ascensão ardente.
 E enquanto o vento chora e o crepúsculo desce,
 A ave-maria vai cantando, tristemente.

 Nest'hora, muita vez, em que fala a saudade
 Pela boca da noite e pelo som que passa,
 Lausperene de amor cuja mágoa me invade,

 Quisera ser o som, ser a noite, ébria e douda
 De trevas, o silêncio, esta nuvem que esvoaça,
 Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda.
                          (Francisca Júlia)










Nenhum comentário:

Postar um comentário